Pesquisar este blog

31/03/2014

Um luto interminável • Por Wellington Soares


Quando houve o golpe civil-militar de 64, no dia 31 de março, eu tinha apenas seis anos. Meninote da Benjamin Constant, ignorava o que estava ocorrendo no Brasil.Na época, segundo dona Raimunda, queria apenas brincar e afugentar, como diria Bandeira, a indesejada das gentes, uma vez que vivia doente. Talvez nem soubesse quem era João Goulart, o presidente deposto pela força das baionetas, apesar de eleito democraticamente. Sem falar também de não compreender, dado à condição de criança, o verdadeiro sentido do termo ditadura, assunto restrito ao universo dos adultos. Mal sabia que esse fato marcaria tristemente, durante 21 anos,tanto a minha como a vida de todos os brasileiros.

Em plena Copa do Mundo de 1970, estava tão empolgado com a Seleção Canarinho que nem dei contada barbárie do AI-5, ato institucional que endureceu ainda mais o regime autoritário, suprimindo de vez a liberdade e legalizando a tortura no País. Adolescente ingênuo, queria apenas comemorar o nosso tricampeonato, embriagado de patriotismo e cantarolando a música de Os incríveis: “Noventa milhões em ação/ Pra frente Brasil, no meu coração / Todos juntos, vamos pra frente Brasil / Salve a seleção!!!”. Quem não amasse o Brasil desse jeito, intimava o general Médici, que arrumasse as malas e caísse fora. 

Como representante da delegação carioca,participei do Congresso de Reconstrução da UNE, em 1979, entidade dos estudantes universitários proscrita com a chegada dos militares ao poder. Movido pelo interesse inicial de conhecer Salvador, foi lá, no meio daquele mundão de 10 mil idealistas, que tomei conhecimento de outro Brasil, sedento de liberdade e justiça. Sob o impacto do hino da UNE, obra de Vinícius de Moraes e Carlos Lira, o choro foi inevitável, misto de emoção e revolta. O rosto de Honestino Guimarães estampado num grande painel, no Centro de Convenções da Bahia, é cena dolorosamente inesquecível,ainda mais porque o último presidente da UNE, antes do golpe, continua desaparecido até hoje.

Na década de 1980 presenciei, de volta a Teresina e atuando no movimento estudantil da Ufpi, a chegada da esperança e o aconchego da democracia. Depois da volta dos exilados, o povo brasileiro reconquistava o direito de eleger seus governantes, inclusive o presidente da República. Apesar de muitas imperfeições no sistema, com o poder econômico ainda ditando as cartas do jogo eleitoral, valeu a pena todo sangue derramado por essas e outras bandeiras, quer no campo político quanto no educacional. Reafirmando sempre, numa colagem irreverente de nossos hinos, que “um filho teu não foge à luta vendo a Pátria pedir liberdade”.

Nos 50 anos daquele pesadelo, completados neste mês, nada mais recomendável que a reflexão sobre o didático paradoxo entre arbítrio e democracia, sobretudo, quando vemos a direita se movimentando pela volta dos militares. Sua desfaçatez é tamanha que, empunhando as velhas bandeiras do anticomunismo e do combate à corrupção, prega abertamente o golpe, sentindo-se incapaz de vencer pelo voto. A Marcha da Família, realizada ontem em São Paulo, simboliza o início desse movimento.Mas quem provou do gosto da liberdade, ainda que por um tempinho de nada, dificilmente vai querer trocá-la pela desumana repressão. Um brinde à democracia!

Nenhum comentário:

Postar um comentário