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17/04/2020

Entre o céu e o inferno • Por Merlong Solano

Merlong Solano
No Brasil midiático dos grandes grupos de comunicação e das redes sociais, a distância entre o céu e o inferno é um passo. Ao sabor dos interesses do momento, pessoas e instituições podem ser santificadas ou demonizadas em bem pouco tempo.

Estamos vendo agora o caso Mandetta, demitido por Bolsonaro em função da defesa do isolamento social e da popularidade alavancada pela mídia global. Isso mesmo, Bolsonaro usa o combate ao isolamento social como meio para manter unida a sua base mais radical, que defende a lei do mais forte, e para tentar jogar sobre os governadores a responsabilidade pelo desemprego, que, na verdade, a política neoliberal do governo federal não conseguiu reduzir.

Mas Bolsonaro também não quer um ministro com alta popularidade em sua equipe. Vejamos o caso do Sérgio Moro, que de super-ministro “evoluiu” para papagaio de pirata, que tenta se apropriar dos resultados das políticas de segurança adotadas pelos governadores, como a queda da taxa de homicídios no Brasil. No mais, é um farol queimado na Esplanada. Resolvido o caso Moro, de repente o corona e a Globo alavancaram Mandetta para mais que o dobro da popularidade do presidente. Neste caso, a este, só restava a canetada.

Mandetta caiu. Cabe então perguntar: o que ficou de sua gestão no campo da saúde? Que iniciativas ele adotou para fortalecer e aperfeiçoar o Sistema Único de Saúde? Olho pra todo lado, vasculho a internet e só vejo uma postura positiva: a coragem de enfrentar a lógica genocida de Bolsonaro ao defender o isolamento social, que, no entanto, é garantido por governadores e prefeitos e conta com forte apoio da maior parte da mídia.

O ministro tornou-se uma espécie de porta voz: juntava os dados enviados pelos estados, dava entrevista coletiva todo dia, defendia o isolamento (algumas vezes com meias palavras, pra tentar contemporizar com Bolsonaro).

Mas é claro que diante de grave crise de saúde pública se espera muito mais do Ministério da Saúde. A própria história do ministério como gestor central do SUS, desde 1988, mostra isso. São inúmeros os programas adotados pelo SUS, em sucessivos governos (de Sarney até Dilma), que se tornaram referência mundial em saúde pública, entendida como direito de cidadania e não como produto acessível apenas a quem tem muito dinheiro.

Mas infelizmente, sob Bolsonaro/Mandetta, o Ministério da Saúde ficou longe de ser um efetivo coordenador de ações eficazes de combate à pandemia. Da sua inoperância destaco: não efetivou o necessário apoio financeiro a estados e municípios (que estão na linha de frente do combate); não garantiu a compra e distribuição de respiradores e de equipamentos de proteção; não comprou os testes indispensáveis ao acompanhamento da evolução da contaminação, deixando o Brasil na ridícula posição de país que realiza cerca de 300 testes pra cada milhão de habitantes, enquanto muitos países fazem mais de 5 mil testes pra cada milhão de habitantes (alguns passam de 15 mil).

Alguém pode argumentar a favor do ex-ministro lembrando a falta de dinheiro no ministério. Aí eu lembro que o ex-deputado Mandetta votou a favor da PEC do teto do gasto público, que congela por 20 anos o orçamento de custeio e de investimentos da União, mas deixa livre o orçamento para pagamento de juros da dívida pública ao sistema financeiro. Lembro ainda que o ex-ministro ajudou a desestruturar o Mais Médicos e disse que ia colocar em lugar o “Médicos pelo Brasil”, que não saiu do papel.

Então, nem santo nem demônio, apenas Mandetta, adepto das linhas gerais do pensamento neoliberal, que advoga a tese Estado Mínimo, alavancado a um ministério que precisa ser parte eficaz de um Estado necessário, com força, criatividade e capacidade técnica de prestar serviços essenciais que a iniciativa privada não tem capacidade de atender. E pior, foi ministro de presidente que defende teses genocidas.

Merlong Solano
Professor da UFPI e Deputado Federal licenciado (PT/PI)

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